quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Década consolida amadurecimento dos roteiros das séries de TV

Década consolida amadurecimento dos roteiros das séries de TV

por Leandro Sarubo

Temáticas complexas e personagens dúbios sustentam a safra.

divulgação
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Família Soprano já foi exibida pelo SBT e chegou a ter alguns episódios exibidos em horário nobre pela Band, que tirou a produção do ar

John Boy que nos perdoe, mas na televisão moderna ninguém se interessaria no cotidiano da família Walton. Nem suportaria a aborrecida cena do “Boa Noite”. Basta uma passada despretensiosa pelos números de audiência ou pelo volume de downloads para notar uma mudança radical no comportamento dos telespectadores.
O romance, o antagonismo clássico e as comédias com fundo familiar estão decididamente distantes do desejo do grande público, inclusive no Brasil, onde os índices das novelas estão em queda e os dos "enlatados" em alta.
Além da falta de tempo disponível para as pessoas acompanharem religiosamente a novela, ou mesmo um show à moda antiga, tipo Dallas, um fator de nome desconhecido no Brasil foi extremamente determinante para a reorganização do mercado: a série Hill Street Blues.

Exibida na NBC, HSB não apostava em heróis, vilões ou soldados dotados de coragem absurda ou fonte sobrenatural de força. A aposta era na ordem natural dos acontecimentos. E no desenvolvimento psicológico dos personagens, o que é denominado ensemble show pelos estudiosos.

Desde o advento do VT, a tecnologia que deu suporte para  a ficção na televisão, os formatos utilizados pelos roteiristas americanos eram a sitcom, ainda viva, apesar de algumas adequações estruturais; as soap operas, equivalentes às nossas novelas, mas exibidas na faixa vespertina e o formula show, dramas que trabalhavam o conceito das histórias em detrimento dos personagens. Em suma, é o que faz CSI.

O ensemble veio ancorado não apenas por Hill Street Blues, mas também pela ousadia de David Lynch, autor de Twin Peaks. Foi a busca pelo assassino de Laura Palmer a faísca para a explosão de humor negro e ousadia dos projetos da televisão. Dexter, True Blood, OZ, Família Soprano e Nip/Tuck só existem graças ao programa, jamais exibido integralmente na TV aberta brasileira.

Celio Ceccare, consultor e especialista em séries de televisão, reconhece a primazia conceitual da série policial, indicada pelos críticos mais exagerados como o embrião da espetacular "The Wire", mas destaca outras duas produções para demonstrar a ascensão da complexidade: Família Soprano e The West Wing.
"As duas foram passadas como projetos autorais. West Wing é pra sempre a série do Aaron Sorkin, assim como David Chase é o criador de Sopranos. A maior parte das séries hoje em dia se configuram através disso. Boardwalk Empire foi vendida como a série do Scorsese. Mad Men, do mesmo cara de sopranos. Elas ganharam um timbre".

"The West Wing", exibida em TV aberta nos Estados Unidos, foi produzida entre 1998 e 2006. A temática não poderia ser mais interessante: geopolítica. Mais especificamente: Conflitos na Casa Branca. Lançada na Era Clinton, a série atravessou o 11 de setembro, retratado em episódio especial considerado histórico, e a crise - moral, não a econômica - do governo Bush.
"Familia Soprano", a série de maior sucesso da HBO, ilustra o cotidiano de um outro tipo de poder: o paralelo. Da máfia. O sucesso de público e crítica esteve no contexto crítico da produção. As entrelinhas, e isto vale para tudo o que tem a assinatura de Alan Ball, contam mais histórias do que as falas dos atores.
"A série é bem maior do que a história de um mafioso. Ela mostra uma América onde os valores não tem mais importância e a cobiça e a pressão se tornam tamanhas que um chefe da máfia não consegue mais aguentá-la. O Tony Soprano se torna um herói exatamente por isso. Pois mesmo com todo o poder que ele tem, ele não consegue exatamente o que quer, ou saber o que quer", afirma Ceccare, que realizou um estudo de Filosofia embasado na série.

Telas grandes, ideias não tão grandes assim
Uma questão, lançada de modo muito sutil pelo crítico Cassio Starling Carlos na publicação "Em Tempo Real", a única de abordagem teórica e crítica sobre o desenvolvimento das séries, envolve diretamente a "moral" do cinema.

O argumento é direto. Se na década de 70 a televisão apostava nas comédias fáceis, nos dramas policiais de solução rápida ou na fantasia desenfreada, o cinema se encarregava de entreter os adultos, com enredos arrojados, originais e realistas. No século 21 estaria efetivada a inversão destes valores. Os pais ficam em casa conferindo obras primas como A Sete Palmos, Mad Men e House, enquanto os filhos colocam os óculos 3D e visitam o mundo limpinho de James Cameron.

A hipótese, nada pretensiosa, tem uma fundamentação que justifica, em parte, as diferenças entre cinema e seriado. O recurso do tempo, moldado pelos produtores para permitir o desenvolvimento meticuloso de tramas e personagens, tem prazo de validade nos filmes. Enquanto Alan Ball teve algumas horas pra desenvolver Beleza Americana, ele já contou com três temporadas para expor o enredo de True Blood.

" Se você imaginar uma tela de pintura, o que acontece: a série se torna um ambiente propício para maior exploração dos personagens, o que o tempo em cinema não propicia. Como você tem uma tela maior, o produto vai ser diferente do que o do cinema, onde você tem de 90 a 120 minutos. O Scorsese foi para a HBO (o renomado diretor lança sua série, Boardwalk Empire, em setembro) porque a história que ele tem pra contar precisa desse espaço maior para se desenvolver, assim como o Tarantino queria que Bastardos Inglórios fosse uma minissérie.", diz Celio.
O outro aspecto apontado pelo especialista para ilustrar a diferença entre as estruturas narrativas é de ordem estratégica. O caminho para a recuperação dos recursos investidos na fita foi subvertido, exigindo uma resposta nova e imediata.
" Os grandes estúdios não tem interesse em fazer um grande filme e sim um evento pois o sucesso comercial de um filme não se constrói mais como antigamente, com a crítica e a recepção do filme, mas com uma construção de marketing muito anterior à estréia voltada exatamente para a construção desse grande hype e a recuperação do investimento logo nas primeiras semanas".
Good Night, John Boy. Good Night, Movies.
http://www.itu.com.br/cinema/noticia/decada-confirma-amadurecimento-dos-roteiros-nas-series-de-televisao-20100901

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